Uma história em que pobreza, padrão eurocêntrico de beleza e cultura
racista se chocam vem movimentando a internet. Um mendigo fotografado em
Curitiba está sendo
assunto em todo o Brasil, por ser um branco de olhos azuis “mas” ter
sido castigado pela pobreza mendicante. Quando sabemos dessa novidade e a
comparamos com a vida de milhares de outros mendigos pelo Brasil, percebemos o
quanto a cultura brasileira ainda é muito impregnada de racismo.
O mendigo branco, cujo nome ainda não foi revelado, vive nas ruas de
Curitiba e posou para a foto desejando “ser colocado no rádio” para ficar
famoso. A fotografia foi posta no Facebook e agora campeia pelo Brasil inteiro,
chamando atenção de mulheres e homens. Ora é considerado “lindo de morrer”, com
muitas mulheres querendo namorá-lo e abrigá-lo encantadas com a beleza dele;
ora vem sendo candidato às passarelas da moda, como o modelo “dos sonhos” das
grifes; ora tem sua mendicância posta em dúvida principalmente por ser um
branco de olhos azuis, parecido demais com um europeu para ter sua pobreza
reconhecida. As opiniões convergem em sua maioria a um ponto: ele é “lindo”
demais para continuar mendigo.
E enquanto isso, no mesmo Brasil, inclusive na mesma Curitiba, milhares
de negros e pardos padecem de miséria igual ou pior, mas por sua vez permanecem
tratados como rejeitos da sociedade, como seres dignos de nada mais do que pena
ou virada de rostos. Muitos ainda clamam pela mídia, por um pouco de atenção e
humanitarismo, e tudo o que conseguem são poucos minutos na TV ou no rádio,
algumas doações e, com sorte, uma assistência de alguma ONG de assistência
social ou do órgão oficial de serviço social da prefeitura. Mas praticamente
nunca são abraçados pelo padrão cultural de beleza dominante no país, tornados
celebridades instantâneas em função de sua aparência física e alçados a modelos
“sarados” e adorados.
É aí que começamos a pensar: se fosse um negro de fortes traços
africanos ou um mulato, seria prontamente rejeitado em sua demanda de “ser
colocado no rádio” ou receber ajuda humanitária, empregatícia e/ou habitacional
de algum político ou empresa. Não chamaria a atenção de virtualmente ninguém na
internet fora algumas meias-dúzias de moças ou rapazes que gostam da beleza
negra. Seria apenas mais um entre milhares de mendigos que vagam pelos centros
das cidades do Brasil, sua foto seria com desdém pela sociedade, e ele
voltaria, logo após a fotografia, às ruas para ali viver por tempo
indeterminado, senão para sempre.
Em outras palavras, para nossa sociedade, não é normal ver em
mendicância e miséria um branco de aparência europeia. Para ela, brancos
merecem muito mais do que isso. Mas, por outro lado, negros nas ruas pedindo
esmolas e implorando por dignidade é considerado algo mais que normal. É
tradição já. Por que eles merecem ser alçados a modelos a serviço da alta
costura? Que se virem, vão trabalhar, procurar um emprego, correr atrás da
escola aonde não foram na infância – assim pensa grande parte da sociedade que
está agora se compadecendo com o pedinte eurodescendente.
Observando a história e seu contexto, percebemos que a grande sorte do
mendigo ainda anônimo foi ser branco de olhos azuis, ter um forte fenótipo
eurodescendente – e talvez ser até mesmo um imigrante europeu desabrigado. Sua
beleza caiu nas graças do povo, seu nome será revelado a qualquer momento, e
agora ele está tendo seu momento de fama e poderá virar um modelo a encantar as
grifes e as pessoas que apreciam a beleza masculina. Se fosse negro, sendo ou
não um imigrante, seria considerado “feio”, rebaixado a apenas “mais um” e
continuaria visto como um mero rejeito a ser tratado como lixo pela sociedade,
pelo Estado e por seu braço violento, a polícia.
A verdade é que o sujeito está prestes a subir na vida não tanto por
acaso, talento ou esforço. Mas sim porque nossa sociedade é racista e
eurocêntrica e, ao mesmo tempo que vira a cara para negros em situação de
miséria, compadece de brancos que estão no mesmo estado. Afinal, ver afrodescendentes
pedindo esmola e padecendo nas ruas é “normal”, mas brancos de olhos azuis
considerados “bonitões”, não.
Se os brasileiros parassem de achar normal haver negros em miséria nas
ruas e começassem a apreciar o padrão de beleza deles, passaríamos a ver as
passarelas lotadas de ex-mendigos, fazendo companhia profissionalmente com o
curitibano. Este sequer se tornaria a celebridade instantânea que se tornou.
Mas se isso não acontece – e, ao invés, a miséria negra é tratada com
banalidade –, é porque o racismo, destacadamente em suas vertentes social e
estética, continua imperando forte e fazendo os brasileiros de todas as cores
acharem brancos melhores que negros apenas por terem pele, cabelo e olhos
claros.
Blog Deu o Carai em Vitória
Retirado do Blog Acerto de Contas
Ainda bem que não me tornei mendingo (quase me tornei depois que amarelo assumiu a prefeitura) senão ninguém iria notar minha existência.
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