Das três maiores festas anuais, o São João é a mais singela e
tradicional. O Ano Novo nos trespassa de tristeza, porque sugere a contagem do
tempo e amontoa os mortos. Abrimos álbum de retrato e botamos pra chorar. O Carnaval
é uma festa perigosa, de extravasar frustrações. O pessoal só falta correr nu
pela rua.
O São João é uma festa mais pacata, que relembra nossas tradições mais atávicas, nossas raízes culturais. Lembro-me do São João das ruas sem calçamento. O mundo parecia um terreiro só. As mulheres cruzavam as pernas, enfiavam as saias entre as coxas, para ralar o milho e o coco, enquanto os homens plantavam o machado nos toros de madeira para fazer as fogueiras. À tardinha, a panela virava uma lagoa de caldo amarelo onde fervia o maná das comezainas juninas. A meninada ensaiava o jeito de ser homem e mulher. De chapéu de palha, bigode a carvão e camisa quadriculada, era quando podíamos chegar mais perto das meninas sem levar carão nem experimentar a sensação de pecado.
O coração se alegrava quando sonhávamos com a liberdade de adultos que
teríamos um dia. Batia uma gostosíssima impressão de que estávamos bem próximos
de fazer o que não podíamos fazer. Os ensaios de quadrilha relembravam
a tristeza do último dia. Pois um ano durava uma eternidade, as horas eram
calmas, podíamos acompanhar a réstia do sol e contar estrelas. Pamonha, canjica
e pé-de-moleque eram tarefas de dona de casa prendada, de quem o marido se
gabava. Tudo era simples e barato, ninguém enricava com a festa. A novidade era
a radiola portátil, e os conjuntos eram pobres de tecnologia, mas os
instrumentos ricos de som e harmonia, manuseados com habilidade e gosto, na
execução do repertório da festa do milho. Quando São Pedro se ia,
ficava um aroma de saudade na fumaça das derradeiras fogueiras e no espocar dos
últimos fogos.
Autoria: Sosígenes Bittencourt
Publicado originalmente no Blog Revista Fragmentos.
Blog Deu o Carai em Vitória
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