Esta parte de cá do mundo
realmente é habitada por seres muito estranhos. Bertold Brecht disse, certa
vez, que todos nós temos uma moral dupla: uma que pregamos mas não praticamos e
uma que praticamos mas não pregamos. Desta definição escapamos os brasileiros,
provavelmente por desconhecimento do famoso dramaturgo. O brasileiro típico tem
dezenas de carapuças diferentes – e alterna-as conforme a conveniência.
Vejamos as notícias: bancários
revoltados com Felipão por causa das suas declarações à imprensa.
Perguntado se não sentia a pressão de ter que vencer uma Copa do Mundo, o
técnico disse que se quisesse um trabalho fácil estaria no Banco do Brasil,
onde não se faz nada.
Uma lista com as perguntas
feitas por jornalistas esportivos, em qualquer situação, em qualquer ambiente,
com (contra?) qualquer entrevistado, não deve ter mais do que cinco linhas –
exceto se o cara resolver ser criativo e perguntar ao jogador se ele gosta de
ser comparado fisicamente ao Zé Ramalho. Aí um cara com a (teórica) experiência
do Felipão ainda cai numa armadilha dessas. Aliás, o que faz o assessor de
imprensa da CBF?
Pois bem, ao responder da
forma como o fez, com toda a sua conhecida falta de habilidade, Felipão lançou
mão de um estereótipo de funcionalismo público impregnado na cultura nacional.
Obviamente contrariados, os atingidos exigiram a imediata retratação, que não
tardou a aparecer.
Desculpas pedidas e aceitas,
voltamos à nossa programação normal. O mensageiro foi ferido, o estereótipo
permanece.
Ora, estereótipos não nascem
de geração espontânea. Não há na Bíblia um capítulo da Gênese dizendo em qual
dos seis dias eles foram criados. Eles surgiram – e se perpetuaram – em algum
momento da história, a partir de ilustrativos exemplos.
As desculpas de Felipão não
amenizam tais exemplos. Não desmentem o estereótipo. Não melhoram a imagem dos
atingidos. Só mostram que eles sabem se defender.
Agora imaginem que o Diretor
de uma empresa seja preso. Independentemente do motivo, alguém consegue pensar
na possibilidade de ele se manter no cargo? Pois o presidente da Câmara
consegue.
Está havendo uma discussão
entre o Supremo e o Congresso se os deputados condenados à prisão
no escândalo do Mensalão devem perder seus mandatos automaticamente – e quem
deve cassá-los. Mais de uma vez a Câmara já deixou claro que não gosta de punir
seus integrantes, mesmo em casos de batom na cueca. Parlamentares filmados
recebendo propinas já foram absolvidos por seus pares, numa mistura de medo e
corporativismo.
Alguns ministros do Supremo
defendem a tese da perda automática do mandato, mas o presidente da Câmara
adiantou-se em consultar a Advocacia Geral da União sobre a prerrogativa do
ato. Não ficou claro, ao menos para mim, se sua motivação está em ter a honra
de defenestrar os criminosos, ou em buscar uma última chance de jogar de vez o
nome da Casa na lama, mantendo no cargo parlamentares encarcerados.
Ao insistir na tese de que a
decisão do Supremo deve ser ratificada pelo Congresso, Marco Maia renomeia o
órgão para Quase-Supremo, já que haveria uma instância superior a validar seus
vereditos.
Em ambos os casos o que se
vê é uma grande preocupação com o que se fala e um total descaso com o que se
faz – e a imagem que passam, consequentemente. Estão, assim, terceirizando a
culpa pelos estereótipos.
Não é papel do Banco do
Brasil interpelar Felipão através da mídia, mas mostrar que se em algum momento
esta era a imagem do funcionalismo público, muita coisa mudou e o ultrapassado
estereótipo não retrata mais a realidade. Desde que, é claro, isto seja
verdade.
Já o Congresso, pródigo em
se avacalhar, não poderia sequer dar-se a chance de ter mais essa mancha em sua
história. Porque se depender de seus integrantes, o risco é grande, sabemos. E
depois não adianta reclamar por não ter o respeito do país.
Blog Deu o Carai em Vitória
Texto retirado integralmente do Blog
Acerto de Contas
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