Este artigo é dirigido não apenas para os
brasileiros, mas para todos os países e povos do planeta. Traduzi-lo para
outras línguas será de muito bom grado. Também não busca inferiorizar o Brasil
ou qualquer outra nação em relação às demais, muito pelo contrário.
“Ouviram do Ipiranga as margens plácidas…” Quando ouço essa música, em
vez de sentir “orgulho” do país, pensar na suposta superioridade ambiental do
mesmo, imaginar o Brasil como potência geopolítica num futuro hipotético,
começo a pensar: para que servem mesmo os hinos nacionais? Qual a contribuição
deles para um mundo melhor e mais unido? A utilidade do hino, em meu pensamento,
se faz fortemente questionada.
Mediante essas questões, me vem à mente a ideia de que os hinos são
resquícios de uma época em que o nacionalismo, o sentimento de que seu país é
superior a todos os demais, era tratado como uma virtude e um valor inquestionável
– ou melhor, questionável apenas por anarquistas. Entretanto, quando se muda o
ângulo da visão do mundo, da arrogância patriocêntrica à filosofia de união
internacional, percebemos que os hinos nacionais são dispensáveis num mundo
unido e igualitário que irreleve diferenças territoriais, étnicas e religiosas.
A opinião favorável ao hino patriótico afirma que ele é bom porque
exalta os esforços, tradições e virtudes do povo, valoriza a riqueza ambiental
do país e releva a identidade nacional. É muito bonita a intenção, mas e os
outros povos, as outras nações? O que realmente faz tal pátria ter um povo mais
esforçado e virtuoso e melhores tradições do que todas as outras? Por que temos
que necessariamente crer que somos “melhores” em vez de tratar todos os povos e
nações do planeta como igualmente dignos e lutadores?
É essa a ideia mais imediata que o hino nacional passa: a de que a nação
tal é superior e deve ser venerada mais que todas as outras. Amar um pedaço de
terra encerrado por linhas imaginárias que separam povos e lhes motivam
ocasionais desuniões, discórdias e dissensões, valorizar mais este trecho
específico do planeta do que o mundo como um todo, só porque nascemos dentro
dos seus limites territoriais.
O pensamento da união e igualdade mundiais recusa essa acepção. Não há
porque um país se arrogar melhor que outro. Não há razões válidas para um
Estado repetir periodicamente aos seus governados que “sua pátria é a melhor e
deve ser amada acima de qualquer outra região do mundo”. Enfim, o nacionalismo,
tão importante num mundo repleto de guerras e discórdias que obrigam a promoção
de lutas sangrentas por liberdade, não faria sentido num planeta de países
absolutamente solidários e amigos.
E é esse nacionalismo que é exaltado nos hinos nacionais. São eles que
lembram à passional psique coletiva dos habitantes do país que eles vivem no
“melhor país”, são o “melhor povo”, habitam o “melhor ambiente” e, às vezes,
professam a “melhor religião”. E tome ufanismo, que, se não é acompanhado de
uma devida educação pregadora da igualdade entre os povos (!), abre uma grande
suscetibilidade a desgraças como xenofobia, ódio étnico e intolerância
religiosa.
Para piorar, grande parte dos hinos pelo mundo exaltam venenosamente o
hábito de guerrear. Hábitos e detalhes de guerra não faltam nessas canções:
pegar em armas (exemplo: Portugal), marchar rumo à batalha (China), não fugir
da carnificina da guerra (Brasil), morrer em guerra pelo país (Brasil também),
estouro de bombas (EUA)… Em várias ocasiões, também há a exaltação de uma
religião ou deus específico, como na Arábia Saudita (islamismo), Israel
(judaísmo), EUA (deus cristão) e Venezuela (idem).
O que esperar de um mundo fragmentado em pedaços onde se cantam odes à
suposta superioridade de cada um senão desunião, discórdias, explosões de ódio
e, logicamente, guerras?
Há, entretanto, exceções, pelo menos uma. Trata-se do hino de Belarus, o
qual defende o pacifismo nacional e a amizade entre os povos. Canta sim o
louvor à nação, mas saudavelmente não é aquele louvor patriocêntrico, do tipo
“minha pátria é a melhor”. Se todos os hinos nacionais fossem assim, os
sentimentos dos mais diversos povos estariam ao menos bem mais acalmados, bem
menos incitados ao fervor da luta violenta.
Abolir ou mudar radicalmente os hinos nacionais seria um alívio para a
animosidade entre nações e povos, muito embora não fosse a panaceia que
pacificaria a humanidade. Além do mais, só daria certo a pacificação dos
símbolos nacionais se essa fosse uma tendência que já começasse com uma grande
adesão, com muitos países ao redor do mundo decretando no mesmo dia ou semana o
banimento da guerra e da superioridade nacional entre os seus valores pátrios.
No presente momento, no qual a universalização da ideia de questionar a
função dos hinos patriocêntricos e violentos ainda é apenas uma distante
utopia, vale tentar deixar de lado a passionalidade patriótica e começar a
refletir se realmente está sendo bom para o país e para o todo internacional
repetir periodicamente uma música que insiste que “esta pátria é a melhor e
vamos à guerra para reafirmar isso”.
Blog
Deu o Carai em Vitória
Texto
extraído integralmente do Blog Acerto de Contas
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